sábado, 31 de janeiro de 2009

Ditadura uruguaia vigiava todos os passos de Jango - GRACILIANO ROCHA

da Agência Folha, em Porto Alegre

Viagens ao exterior, reuniões políticas e atividades empresariais do ex-presidente brasileiro João Goulart (1918-1976) durante o exílio foram sistematicamente vigiadas por agentes da inteligência do Uruguai. A ditadura uruguaia (1973-1985) tinha um informante até dentro da casa de Jango - sua empregada doméstica.

É o que mostram documentos liberados pelo governo uruguaio no fim do ano passado. O material foi obtido pelo coordenador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Kirschke, e entregue ontem para o Ministério Público Federal em Porto Alegre.

Jango era espionado tanto pelo Ministério do Interior, ao qual está subordinada a polícia uruguaia, quanto pela inteligência militar.

A ficha de antecedentes do ex-presidente, elaborada pelo Ministério da Defesa, apresenta em ordem cronológica as atividades dele a partir de sua chegada ao Uruguai, em 1964, após ser deposto, segundo o documento, por "conexões e infiltrações comunistas".

Ao lado das atividades políticas, os negócios eram atentamente acompanhados pelos militares. Mencionando um relatório de abril de 1974, a ficha afirma que Jango reuniu-se com o então presidente argentino Juan Domingo Perón e membros de sua equipe econômica, em Buenos Aires, para tratar de um intercâmbio comercial entre a Argentina e países árabes.

Conforme o relato, Jango articulou uma operação para exportar carne para o Oriente Médio e a importação de petróleo para a Argentina.

A ficha também afirma que o escritório de exportação aberto por Jango em Buenos Aires, em 1975, faria negócios, sobretudo, com a China comunista. Na interpretação dos militares, seria "uma espécie de fachada para facilitar os contatos com aquela nação".

No prontuário do Ministério do Interior, há seis folhas com relatos de encontros de Jango com exilados, como o mantido, em 1973, com o então senador do Uruguai Zelmar Michelini (1924-1976), e o ex-presidente da Bolívia Juan José Torres (1921-1976).

Michelini e Torres foram assassinados em 1976, em Buenos Aires, no que seriam ações da Operação Condor, a aliança das ditaduras do Cone-Sul para eliminar opositores.

Nos papéis do Ministério do Interior há menção à empregada doméstica de Jango, identificada como Margarita Suárez, que deu informações sobre uma viagem do ex-presidente à França em outubro de 1976.

"Esse monitoramento com informações tão detalhadas mostra que os serviços de inteligência do Brasil, da Argentina e do Uruguai trabalharam juntos --o que robustece a tese de que João Goulart não morreu de causas naturais", declarou Jair Kirschke, após entregar os documentos à Procuradoria.

Oficialmente, o ex-presidente morreu vítima de infarto em dezembro de 1976. No ano passado, o ex-agente da repressão uruguaia, Mario Neira Barreiro, que cumpre pena por tráfico de drogas no Brasil, afirmou que o Jango havia sido morto por envenenamento.

O procurador da República Júlio Carlos de Castro Júnior, que conduz a investigação sobre a morte do ex-presidente, disse que os documentos trazem à tona indícios fortes da colaboração entre as ditaduras.

"Esse monitoramento não era só do interesse do governo uruguaio, mas também do governo brasileiro", afirmou.

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