O Brasil pós-golpe
No dia 1º de abril de 1964, Jango deixava Brasília rumo a Porto Alegre e, em seguida, ao exílio no Uruguai, assumindo o governo, em caráter provisório e de acordo com a fórmula constitucional, Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara dos Deputados. No entanto, o poder de fato passou a ser exercido por uma junta governativa formada pelos três ministros militares — o general Artur da Costa e Silva, da Guerra, o vice-almirante Augusto Rademaker Grünewald, da Marinha e o tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, da Aeronáutica.
Se auto-proclamando membros do Supremo Comando Revolucionário a junta promulga, no dia 9 de abril, o Ato Institucional n° 1, mudando as regras do jogo democrático. Esse ato conferia ao Executivo cobertura legal para a cassação de mandatos e a suspensão dos direitos políticos de parlamentares, políticos, intelectuais, diplomatas e membros das Forças Aramadas, além de garantir poder para declarar o estado de sítio, podendo prorrogá-lo por 30 dias, sem prévia autorização do Congresso.
No dia seguinte, o general Humberto Castelo Branco é eleito pelo Congresso presidente da República. Castelo Branco, militar da linha moderada do Exército, muito próximo aos EUA, foi um dos principais articuladores da conspiração militar contra Jango e gozava de grande prestígio junto aos oficiais da ativa. O novo governo congregará políticos conservadores da União Democrática Nacional (UDN) e tecnocratas, além de militares.
Do ponto de vista político, era preciso definir a nova base de sustentação do governo. O apoio dado pelas classes médias, logo após a deflagração do golpe, começava a ser minado não só pelas medidas repressivas tomadas pelo novo governo, mas sobretudo pelo caráter impopular do programa de estabilização econômica levado a cabo por Roberto Campos e Otávio Bulhões, respectivamente ministros do Planejamento e da Fazenda. Tanto isso é verdade que, em outubro de 1965, a oposição consegue sair vitoriosa das eleições para os governos de dois importantes estados, Minas Gerais e Guanabara. Em represália, o governo promulga, ainda em outubro, o Ato Institucional n° 2 que, entre outras medidas de exceção, dissolve todos os partidos políticos e estabelece eleições indiretas para presidente da República e governadores. No final de novembro são definidas as regras a serem seguidas na reorganização partidária, que deram origem à instalação do bipartidarismo no país: de um lado, a agremiação governista Aliança Renovadora Nacional (Arena) e, de outro, o oposicionista Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Do ponto de vista econômico, o governo Castelo Branco desenvolveu uma rígida política antiinflacionária, necessária para cumprir a agenda de compromissos financeiros internacionais do país. A impopularidade advinda da política econômica e das medidas repressivas do governo, atingindo inclusive políticos que haviam apoiado a conspiração e o golpe militar, aprofunda a crise política e conduz Castelo Branco a um fechamento cada vez maior do regime. Em outubro de 1966, sob o protesto do MDB, o Congresso elegeu o general Artur da Costa e Silva para substituir Castelo Branco na presidência da República.
A vitória de Costa e Silva, candidato da facção militar conhecida como "linha dura", desencadeou um processo de endurecimento político do regime. O novo presidente assume o poder em março de 1967 constituindo um ministério quase que absolutamente militar, do qual participaram quatro representantes da "linha dura", entre eles o general Garrastazu Médici, chefe do Serviço Nacional de Informações, que viria a ocupar a presidência da República entre 1969 e 1974.
A orientação tomada pelo novo governo na economia e na área de educação gerou uma crescente insatisfação em amplos setores da sociedade, particularmente no movimento estudantil, que chega ao ápice, em março de 1968, com a morte de um estudante no Rio de Janeiro. O episódio provocou uma série de manifestações nas principais cidades do país, entre abril e junho, culminando com a famosa "Passeata dos Cem Mil", nas ruas do centro do Rio.
O clima de radicalização política, agravado pelo discurso do deputado Márcio Moreira Alves, denunciando as arbitrariedades do regime, em setembro de 1968, levou o governo a encaminhar o pedido de cassação de seus direitos políticos ao Supremo Tribunal Federal. Em face da recusa da Câmara, em 12 de dezembro, em conceder a licença necessária para processar o deputado, o governo baixou, no dia seguinte, o Ato Institucional n° 5. Entre outras medidas, o AI-5 autorizava o presidente da República, independente de qualquer apreciação judicial, a intervir nos estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição, a cassar mandatos eletivos e a suspender por dez anos os direitos políticos de qualquer cidadão, e a suspender a garantia de habeas-corpus.. Concomitantemente, foi editado o Ato Complementar nº 38, decretando o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado.Célia Maria Leite Costa |