quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Jango Goulart e Pinheiro Neto na névoa tempo - Pedro do Coutto

Para assinalar, com grande saudade, a data que marcaria a passagem dos 80 anos de João Pinheiro, sua esposa Leda relançou o livro do ministro da Reforma Agrária da tempestade de 63 e 64, "Jango, um testemunho," sem dúvida a obra mais completa e impactante dos últimos dias de Goulart em plena crise que culminou com sua deposição pelo movimento político-militar de março de 64.

Lá se vão 44 anos, mas os fatos do passado que se distancia do presente permanecem em cores fortes na história, não só como matéria de registro, mas também porque o impasse que envolveu o tema decisivo daquela época permanece até hoje.

Nem o Estatuto da Terra, lei de Roberto Campos, de novembro de 64, conseguiu sequer equacionar o problema. Muito menos, portanto, resolvê-lo. A narrativa daquele amigo é vibrante e realista e impressiona sobretudo pelo seu conteúdo verdadeiro. Um testemunho, sem dúvida. Dramático também por sua forma. Pinheiro Neto lembra que o decreto da Supra, superintendência da Reforma Agrária, com status de ministério, não era inicialmente para prever a hipótese da desapropriação de terras a 10 quilômetros das rodovias, ferrovias, açudes.

A distância era muito maior, cinqüenta quilômetros. E quanto a este ponto, a matéria recebeu o parecer favorável do jurista Carlos Medeiros e Silva. Mas a hipótese da desapropriação, que colidia com uma série enorme de interesses políticos, foi apenas uma parte da crise. Goulart havia perdido o controle da situação. Romperam com o capitalismo urbano, com o capitalismo rural, que era mais forte do que hoje, através do decreto da Supra. E finalmente com a hierarquia militar. Era demais para um governo.

E sobretudo para um homem só, isolado no executivo, recebendo fogo cruzado diariamente: ataques tanto de Carlos Lacerda, que comandava a oposição, quanto de Leonel Brizola, que dividia a estrutura de poder, fracionando-a irremediavelmente. Pinheiro Neto dedicou sua vida à luta pela modernização agrária do Brasil, sem a qual o desenvolvimento econômico-social torna-se extremamente difícil, principalmente quanto à distribuição de renda.

E dedicou seu livro à eternidade dos acontecimentos, pressentindo o desfecho semanas antes, quando visitava Tancredo Neves no apartamento do ex-primeiro-ministro do parlamentarismo. O presidencialismo já retornara à legislação, mas Jango não retomara o poder. Aflito, João Goulart entra na sala de Tancredo, Avenida Atlântica.

Buscava uma orientação, um aconselhamento, narra o autor da obra. Ele e Tancredo se entreolharam. Era o início do fim. Lutando para ser candidato à presidência da República e, para isso, pela mudança da Constituição que o impedia por ser cunhado, Brizola não percebeu que desestabilizava Jango.

E sobretudo o abalava irremediavelmente. Brizola não compreendeu a essência da questão: o enfraquecimento de Jango representava também a sua queda. Foi o que aconteceu. Goulart morreu no exílio. Brizola só pôde retornar ao Brasil com a anistia de 79, assinada pelo presidente João Figueiredo. O ex-governador não entendeu o processo.

Pinheiro Neto, de onde se encontra, na eternidade, através de Leda, que não quis formalizar o relançamento, mas oferecê-lo nas livrarias ao País de hoje, ilumina o passado, desvendando a névoa do tempo.

Por falar em tempo, importante - sobretudo justa - a homenagem que a ABI prestou terça-feira ao brilhante jornalista Villas-Boas Correa. Sessenta anos de artigos e reportagens. Uma testemunha e intérprete de seis décadas. A história também se escreve assim. Mestre Villas continua escrevendo todos os dias no JB.
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